A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se
encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado,
da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem
cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim
de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e
indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos.
O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta
de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e
mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência
isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver
espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já
não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o
bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos
caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta
não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desÃgnio que Deus tem para
nós, esta não é a vida no EspÃrito que jorra do coração de Cristo ressuscitado.
Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a
renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a
tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem
cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz
respeito, já que «da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluÃdo».
Quem arrisca, o Senhor não o desilude; e, quando alguém dá um pequeno passo em
direcção a Jesus, descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada.
Este é o momento para dizer a Jesus Cristo: «Senhor, deixei-me enganar, de mil
maneiras fugi do vosso amor, mas aqui estou novamente para renovar a minha
aliança convosco. Preciso de Vós. Resgatai-me de novo, Senhor; aceitai-me mais
uma vez nos vossos braços redentores». Como nos faz bem voltar para Ele, quando
nos perdemos! Insisto uma vez mais: Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós
que nos cansamos de pedir a sua misericórdia. Aquele que nos convidou a perdoar
«setenta vezes sete» (Mt 18, 22) dá-nos o exemplo: Ele perdoa setenta
vezes sete. Volta uma vez e outra a carregar-nos aos seus ombros. Ninguém nos
pode tirar a dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere. Ele
permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos
defrauda e sempre nos pode restituir a alegria. Não fujamos da ressurreição de
Jesus; nunca nos demos por mortos, suceda o que suceder. Que nada possa mais do
que a sua vida que nos impele para diante!
Os livros do Antigo Testamento preanunciaram a alegria da salvação, que
havia de tornar-se superabundante nos tempos messiânicos. O profeta IsaÃas
dirige-se ao Messias esperado, saudando-O com regozijo: «Multiplicaste a
alegria, aumentaste o júbilo» (9, 2). E anima os habitantes de Sião a recebê-Lo
com cânticos: «Exultai de alegria!» (12, 6). A quem já O avistara no horizonte,
o profeta convida-o a tornar-se mensageiro para os outros: «Sobe a um alto
monte, arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém» (40, 9). A
criação inteira participa nesta alegria da salvação: «Cantai, ó céus! Exulta de
alegria, ó terra! Rompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola
o seu povo e se compadece dos desamparados» (49, 13).
Zacarias, vendo o dia do Senhor, convida a vitoriar o Rei que chega «humilde,
montado num jumento»: «Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo,
filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti. Ele é justo e vitorioso» (9, 9).
Mas o convite mais tocante talvez seja o do profeta Sofonias, que nos mostra o
próprio Deus como um centro irradiante de festa e de alegria, que quer comunicar
ao seu povo este júbilo salvÃfico. Enche-me de vida reler este texto: «O Senhor,
teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por
tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua
causa» (3, 17).
É a alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida quotidiana, como
resposta ao amoroso convite de Deus nosso Pai: «Meu filho, se tens com quê,
trata-te bem (...). Não te prives da felicidade presente» (Sir 14,
11.14). Quanta ternura paterna se vislumbra por detrás destas palavras!
O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida
insistentemente à alegria. Apenas alguns exemplos: «Alegra-te» é a saudação do
anjo a Maria (Lc 1, 28). A visita de Maria a Isabel faz com que João
salte de alegria no ventre de sua mãe (cf. Lc 1, 41). No seu cântico,
Maria proclama: «O meu espÃrito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1,
47). E, quando Jesus começa o seu ministério, João exclama: «Esta é a minha
alegria! E tornou-se completa!» (Jo 3, 29). O próprio Jesus «estremeceu
de alegria sob a acção do EspÃrito Santo» (Lc 10, 21). A sua mensagem é
fonte de alegria: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha
alegria, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11). A nossa alegria
cristã brota da fonte do seu coração transbordante. Ele promete aos seus
discÃpulos: «Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de
converter-se em alegria» (Jo 16, 20). E insiste: «Eu hei-de ver-vos de
novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa
alegria» (Jo 16, 22). Depois, ao verem-No ressuscitado, «encheram-se de
alegria» (Jo 20, 20). O livro dos Actos dos Apóstolos conta que, na
primitiva comunidade, «tomavam o alimento com alegria» (2, 46). Por onde
passaram os discÃpulos, «houve grande alegria» (8, 8); e eles, no meio da
perseguição, «estavam cheios de alegria» (13, 52). Um eunuco, recém-baptizado,
«seguiu o seu caminho cheio de alegria» (8, 39); e o carcereiro «entregou-se,
com a famÃlia, à alegria de ter acreditado em Deus» (16, 34). Porque não havemos
de entrar, também nós, nesta torrente de alegria?
Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa.
Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas
e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas
sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal
de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as pessoas
que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar,
mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como
uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias: «A paz foi
desterrada da minha alma, já nem sei o que é a felicidade (…). Isto, porém,
guardo no meu coração; por isso, mantenho a esperança. É que a misericórdia do
Senhor não acaba, não se esgota a sua compaixão. Cada manhã ela se renova; é
grande a tua fidelidade. (...) Bom é esperar em silêncio a salvação do Senhor» (Lm
3, 17.21-23.26).
A tentação apresenta-se, frequentemente, sob forma de desculpas e
queixas, como se tivesse de haver inúmeras condições para ser possÃvel a
alegria. Habitualmente isto acontece, porque «a sociedade técnica teve a
possibilidade de multiplicar as ocasiões de prazer; no entanto ela encontra
dificuldades grandes no engendrar também a alegria».
Posso dizer que as alegrias mais belas e espontâneas, que vi ao longo da minha
vida, são as alegrias de pessoas muito pobres que têm pouco a que se agarrar.
Recordo também a alegria genuÃna daqueles que, mesmo no meio de grandes
compromissos profissionais, souberam conservar um coração crente, generoso e
simples. De várias maneiras, estas alegrias bebem na fonte do amor maior, que é
o de Deus, a nós manifestado em Jesus Cristo. Não me cansarei de repetir estas
palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: «Ao inÃcio do ser
cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um
acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o
rumo decisivo».
Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que
se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência
isolada e da auto-referencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando
somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de
nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte
da acção evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o
sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?
"Deus vos abençoe!!!"
Fundador Gleydson do Blog Verbo Pai
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