A Virgem Santíssima Na Liturgia

Verbo Pai
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A reforma da Liturgia romana pressupunha uma acurada restauração do Calendário Geral. Este, organizado de molde a dispor em determinados dias, com o devido relevo, a celebração da obra de Salvação, distribuindo ao longo do ano todo o mistério de Cristo, desde a Encarnação até à expectativa da sua nova vinda gloriosa (SC 102), permitiu que nele fosse inserida, de maneira mais orgânica e com uma ligação mais íntima, a memória da Mãe, no ciclo anual dos mistérios do Filho.

Assim, no tempo do Advento a Liturgia, não apenas na altura da solenidade de 8 de dezembro, celebração, a um tempo, da Imaculada Conceição de Maria, da preparação radical (cf. Is 11,1.10) para a vinda do Salvador e para o feliz exórdio da Igreja sem mancha e sem ruga, recorda com freqüência a bem-aventurada Virgem Maria, sobretudo nas férias que vão de 17 a 24 de dezembro; e, mais particularmente, no domingo que precede o Natal, quando faz ecoar antigas palavras proféticas acerca da Virgem Mãe e acerca do Messias e lê episódios evangélicos relativos ao iminente nascimento de Cristo e do seu Precursor.

Desta maneira, os fiéis que procuram viver com a Liturgia o espírito do Advento, ao considerarem o amor inefável com que a Virgem Mãe esperou o Filho, serão levados a tomá-la como modelo e a prepararem-se, também eles, para irem ao encontro do Salvador que vem, "bem vigilantes na oração e... celebrando os seus divinos louvores". Queremos observar, ainda, que a Liturgia do Advento, conjugando a expectativa messiânica e a outra expectativa da segunda vinda gloriosa de Cristo, com a admirável memória da Mãe, apresenta um equilíbrio cultual muito acertado, que bem pode ser tomado como norma a fim de impedir quaisquer tendências para separar, como algumas vezes sucedeu em certas formas de piedade popular, o culto da Virgem Maria do seu necessário ponto de referência: Cristo. Além disso, faz com que este período, como têm vindo a observar os cultores da Liturgia, deva ser considerado como um tempo particularmente adequado para o culto da Mãe do Senhor: orientação essa, que nós confirmamos e auspiciamos ver aceita e seguida por toda a parte.

O tempo do Natal constitui uma memória continuada da Maternidade divina, virginal e "salvífica", daquela cuja "intemerata virgindade deu a este mundo o Salvador". Assim, na solenidade da Natividade do Senhor, a Igreja, ao adorar o divino Salvador, venera também a sua gloriosa Mãe; na Epifania do Senhor, ao mesmo tempo que celebra a vocação universal para a salvação, contempla a Virgem Maria, verdadeira Sede da Sabedoria e verdadeira Mãe do Rei, que apresenta à adoração dos Magos o Redentor de todas as gentes (cf. Mt 2,11); e na festa da Sagrada Família, Jesus, Maria e José (Domingo dentro da oitava da Natividade do Senhor), considera, venerável, a vida de santidade que levam, na casa de Nazaré, Jesus, Filho de Deus e Filho do homem, Maria, sua Mãe, e José, homem justo (cf. Mt 1,19).

No ordenamento do período natalício, conforme foi recomposto, parece-nos que as atenções de todos se devem voltar para a reatada solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Esta, colocada como está, segundo o que aconselhava uso antigo da Urbe, no dia 1° de janeiro, destina-se a celebrar a parte tida por Maria neste mistério de salvação e, a exaltar a dignidade singular que daí advém para a "santa Mãe..., pela qual recebemos... o Autor da vida"; é, além disso, ocasião propícia para renovar a adoração ao recém-nascido "Príncipe da Paz", para ouvir ainda uma vez o grato anúncio angélico (cf. Lc 2,14), para implorar de Deus, tendo como medianeira a "Rainha da Paz", o dom supremo da paz. Por isso, na feliz coincidência da Oitava do Natal do Senhor com a data auspiciosa de 1° de janeiro, instituímos o Dia Mundial da Paz, que vai recebendo crescentes adesões e já matura nos corações de muitos homens frutos de paz.

6. Às duas solenidades já recordadas, a Imaculada Conceição e a Maternidade Divina, devem acrescentar-se ainda as antigas e venerandas celebrações de 25 de março e de 15 de agosto.

Para a solenidade da Encarnação do Verbo, no Calendário romano, com motivada decisão, foi reatado o título antigo "Anunciação do Senhor"; no entanto, a celebração era e continua a ser festa, conjuntamente, de Cristo e da Virgem Maria: do Verbo que se torna "filho de Maria" (Mc 6,3) e da Virgem que se torna Mãe de Deus. Relativamente a Cristo, o Oriente e o Ocidente, nas inexauríveis riquezas das suas Liturgias, celebram tal solenidade em memória do "fiat" "salvífico" do Verbo Encarnado, que ao entrar no mundo disse: "Eis-me, eu venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade" (Hb 10,7; Sl 39,8-9); em comemoração do início da Redenção e da indissolúvel e esponsal união da natureza divina com a humana na única Pessoa do Verbo. Relativamente a Maria, por sua vez, é celebrada como festa da nova Eva, virgem obediente e fiel, que, com o seu "fiat" generoso (cf. Lc 1,38), se torna, por obra do Espírito Santo, Mãe de Deus, mas ao mesmo tempo também, Mãe dos viventes, e, ao acolher no seu seio o único Mediador (cf.1Tm 2,5), verdadeira Arca da Aliança e verdadeiro Templo de Deus; ademais, em memória de um momento culminante do diálogo de salvação entre Deus e o homem, e em comemoração do livre consentimento da Santíssima Virgem e do seu concurso no plano da Redenção.

A solenidade de 15 de agosto celebra a gloriosa Assunção de Maria ao céu; festa do seu destino de plenitude e de bem-aventurança, da glorificação da sua alma imaculada e do seu corpo virginal, da sua perfeita configuração com Cristo Ressuscitado. É uma festa, pois, que propõe à Igreja e à humanidade a imagem e o consolante penhor do realizar-se da sua esperança final: que é essa mesma glorificação plena, destino de todos aqueles que Cristo fez irmãos, ao ter como eles "em comum o sangue e a carne" (Hb 2,14; cf. Gl 4,4). A solenidade da Assunção tem um prolongamento festivo na celebração da Realeza da bem-aventurada Virgem Maria, que ocorre oito dias mais tarde, e na qual se contempla aquela que, sentada ao lado do Rei dos Séculos, resplandece como Rainha e intercede como Mãe. Quatro solenidades, portanto, que acentuam com o máximo grau litúrgico as principais verdades dogmáticas que se referem à humilde Serva do Senhor.

Além destas solenidades, devem ser consideradas também, antes de mais, aquelas celebrações que comemoram eventos "salvíficos", em que a Virgem Maria esteve intimamente associada ao Filho, como são as seguintes festas: a da Natividade de Maria (8 de setembro), "que constituiu para o mundo inteiro motivo de esperança e aurora da salvação"; a da Visitação (31 de maio), em que a Liturgia recorda a "bem-aventurada Virgem Maria... que leva em seu seio o Filho", e que vai a casa de Isabel para lhe prestar o auxílio da sua caridade e proclamar a misericórdia de Deus Salvador; ou, ainda, a memória de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro), ocasião propícia para se reviver um momento decisivo da história da Salvação, e para venerar, juntamente com o Filho "exaltado na cruz, a Mãe que com Ele compartilha o sofrimento".

Igualmente a festa que se celebra a 2 de fevereiro, à qual foi restituída a denominação de "Apresentação do Senhor", deve ser considerada, a fim de que se possa captar plenamente o seu riquíssimo conteúdo; nela se evoca, de fato, a memória, ao mesmo tempo, do Filho e da Mãe; quer dizer, é a celebração de um mistério da Salvação operado por Cristo, em que a Virgem Santíssima esteve a Ele intimamente unida, como Mãe do Servo sofredor de Javé e como executora de uma missão respeitante ao antigo Israel, e, ainda, qual exemplar do novo Povo de Deus, constantemente provado na fé e na esperança, pelo sofrimento e pela perseguição (cf. Lc 2,21-35).

Se é verdade que o Calendário romano põe em realce sobretudo as celebrações acima recordadas, ele enumera todavia outros tipos de memórias, ou festas: umas, ligadas a motivos de culto local, mas que alcançaram um âmbito mais vasto e um interesse mais vivo (11 de fevereiro: Nossa Senhora de Lourdes; 5 de agosto: Dedicação da Basílica de Santa Maria Maior em Roma); outras originariamente celebradas por Famílias religiosas particulares, mas que hoje em dia, dada a difusão que obtiveram, podem dizer-se verdadeiramente eclesiais (16 de julho: Nossa Senhora do Monte Carmelo; 7 de outubro: Nossa Senhora do Rosário); e outras, enfim, que, por detrás do que têm de apócrifo, propõem conteúdos de elevado valor exemplar e continuam veneráveis tradições, radicadas sobretudo no Oriente (21 de novembro: Apresentação de Nossa Senhora), ou então, exprimem orientações que surgiram na piedade contemporânea (sábado após o segundo Domingo depois de Pentecostes: Imaculado Coração da bem-aventurada Virgem Maria).

Não se deve esquecer, por outro lado, que o Calendário romano geral não regista todas as celebrações de conteúdo mariano: é aos Calendários particulares que compete recolher, com fidelidade as normas litúrgicas mas também com cordial adesão, as festas marianas próprias das diversas Igrejas locais. E falta ainda acenar à possibilidade de uma comemoração litúrgica freqüente da Virgem Santíssima, mediante o recurso à memória de Santa Maria "in Sabbato": memória antiga e discreta, que a flexibilidade do Calendário atual e a multiplicidade de formulários do Missal tornam extremamente fácil e variada.

Não é nossa intenção, nesta Exortação Apostólica, considerar todo o conteúdo do novo Missal Romano; no entanto, para aquela tentativa de apreciação que nos propusemos fazer, pelo que se refere aos livros restaurados do Rito romano, desejamos salientar alguns dos seus aspectos e temas. E apraz-nos realçar, antes de mais nada, como as Preces Eucarísticas, em convergência admirável com as Liturgias orientais contêm uma significativa memória da bem-aventurada Virgem Maria. Assim, o vetusto Cânon romano, que comemora a Mãe do Senhor, em termos densos de doutrina e de fervor cultual: "Unidos na mesma comunhão, veneramos primeiramente a memória da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe do Nosso Deus e Senhor, Jesus Cristo"; de igual modo, a recente Prece Eucarística III, que exprime com intensa súplica o desejo dos que oram, de compartilhar com a Mãe a herança de filhos: Que Ele "faça de nós uma oferenda perfeita para alcançarmos a vida eterna, com os vossos santos: a Virgem Maria Mãe de Deus". Uma tal evocação cotidiana, pelo lugar em que foi colocada, no coração do Sacrifício divino, deve ser considerada forma particularmente expressiva do culto que a Igreja tributa à "Bendita do Altíssimo" (cf. Lc 1,28).

Ao percorrermos, depois, os textos do Missal reformado, vemos que os grandes temas marianos do eucológio romano, como a conceição imaculada, a virgindade integérrima e fecunda, o templo do Espírito Santo, a cooperação na obra do Filho, a santidade exemplar, a intercessão misericordiosa, a assunção ao céu, a realeza materna, e outros mais, foram aí recolhidos em perfeita continuidade doutrinal com o passado; vemos, ainda, que outros temas, novos num certo sentido, foram aí introduzidos com análoga aderência perfeita aos desenvolvimentos teológicos do nosso tempo. Assim, por exemplo, o tema Maria-Igreja foi inserido nos textos do Missal com variedade de aspectos, do mesmo modo que variadas e multíplices são também as relações que se verificam entre a Mãe de Cristo e a Igreja. Esses textos, na verdade, entrevêem na Conceição sem mácula da Virgem Maria o exórdio da Igreja, também ela, "Esposa sem mancha" de Cristo; na Assunção reconhecem o início já realizado e a imagem daquilo que, para a Igreja inteira, deve realizar-se ainda; no mistério da Maternidade confessam ser ela Mãe da Cabeça e dos membros: Santa Mãe de Deus, pois, e próvida Mãe da Igreja.

Quando a Liturgia, depois, volve o seu olhar quer para a Igreja primitiva, quer para a contemporânea, aí encontra, amiúde e sem esforço, Maria: nos primórdios, como presença orante, juntamente com os Apóstolos; mais proximamente, como presença operante, juntamente com a qual a Igreja quer viver o mistério de Cristo: "Dai à vossa Igreja, unida a Maria na paixão de Cristo, participar da ressurreição do Senhor"; além disso, como voz de louvor, juntamente com a qual quer glorifïcar a Deus: "...fazei-nos dóceis ao Espírito Santo, para cantar com ela o vosso louvor"; e dado que a mesma Liturgia é um culto que exige um modo de proceder na vida coerente, nela se implora poderem os féis traduzir o culto à Virgem Maria, num amor bem concreto e sofrido pela Igreja, como admiravelmente propõe, a oração após a comunhão da festa de 15 de setembro: "...que, recordando as dores de Nossa Senhora, completemos em nós, para o bem da Igreja, o que falta à paixão do Cristo".

O "Ordo Lectionum Missae" (Lecionário) é um dos livros do Rito romano que muito beneficiou com a reforma feita após o Concílio, tanto pelo número dos textos que aí foram acrescentados, como pelo valor intrínseco dos mesmos: trata-se efetivamente de textos em que se contém a Palavra de Deus, sempre viva e eficaz (cf. Hb 4,12). Esta exuberância de leituras bíblicas permitiu que se expusesse, num ordenado ciclo trienal, toda a história da Salvação, e que se apresentasse de uma forma mais completa o mistério de Cristo. Daí resultou, como conseqüência lógica, que o Lecionário contém um número maior de passagens do Antigo e do Novo Testamento, respeitantes a bem-aventurada Virgem Maria; aumento numérico, este, não avulso, todavia, de uma crítica serena, porque foram coligidas unicamente aquelas leituras que, ou pela evidência do seu conteúdo, ou pelas indicações de uma exegese acurada e bem apoiada pelos ensinamentos do Magistério ou por uma sólida tradição, podem considerar-se, se bem que de modo e em grau diferente, de caráter mariano. Importa observar, além disto, que estas leituras não se encontram apenas na altura das festas da Santíssima Virgem, mas são proclamadas em muitas outras ocasiões; assim sucede nalguns domingos, ao longo do ano litúrgico, e nas celebrações de ritos que interessam profundamente a vida sacramental do cristão e as suas opções, bem como os momentos alegres ou penosos de sua existência.

Também o reestruturado livro do "Officium laudis", a Liturgia das Horas, encerra preclaros testemunhos de piedade para com a Mãe do Senhor: nas composições dos hinos, entre as quais não faltam algumas obras-primas da literatura universal, como por exemplo, a sublime oração de Dante Alighieri à Virgem Maria; depois, nas antífonas com que se conclui a recitação cotidiana do ofício, implorações cheias de lirismo, às quais se acrescentou o celebre tropário "Sub tuum praesidium", venerando pela sua antigüidade e admirável pelo seu conteúdo; nas preces colocadas no final de Laudes e Vésperas, em que não é raro encontrar-se o confiante recurso a Mãe de misericórdia; na seleção vastíssima, enfim, de páginas marianas, devidas à pena de Autores que viveram nos primeiros séculos do Cristianismo, na Idade Média e na Idade Moderna.

Se no Missal, no Lecionário e na Liturgia das Horas, que são os eixos da oração litúrgica romana, a memória da Virgem Maria se repete com ritmo freqüente, também nos demais livros litúrgicos reformados não faltam as expressões de amor e de suplicante veneração para com a "Theotocos" (= Mãe de Deus). Deste modo, pode ver-se que a Igreja a invoca, Mãe da graça, antes de imergir os candidatos nas águas salutares do Batismo, implora a sua intercessão para aquelas mães que, reconhecidas pelo dom da maternidade, se apresentam com alegria no templo; aponta-a como exemplo aos seus membros que abraçam a seqüela de Cristo na vida religiosa ou recebem a consagração virginal, e para eles invoca o seu auxílio maternal; a ela dirige instante súplica em favor dos filhos que chegaram à hora do passamento; dela solicita a intervenção em prol daqueles que fechados os olhos para a luz temporal, compareceram perante Cristo, Luz eterna, e, enfim, suplica, pela sua intercessão, conforto para aqueles que, mergulhados na dor, choram, com fé, a partida dos próprios entes queridos. 

Este breve exame dos livros litúrgicos restaurados leva-nos a uma confortante comprovação: a reforma pós-conciliar, como já figurava entre os votos do Movimento Litúrgico, considerou a Virgem Maria com uma perspectiva adequada no mistério de Cristo; e, em sintonia com a tradição, reconheceu-lhe o lugar singular que lhe compete no culto cristão, qual Santa Mãe de Deus e enquanto alma cooperadora do Redentor. Nem podia ser de outra maneira. Ao percorrermos, ainda uma vez, a história do culto cristão, podemos notar que, tanto no Oriente como no Ocidente, as expressões mais altas e mais límpidas da piedade para com a bem-aventurada Virgem Maria floresceram no âmbito da Liturgia, ou então nela foram incorporadas.

Desejamos acentuar bem isto: o culto que a Igreja universal tributa hoje à Santíssima Virgem é derivação, prolongamento e acréscimo incessante daquele mesmo culto que a Igreja de todos os tempos lhe rendeu, com escrupuloso estudo da verdade e com uma sempre vigilante nobreza de formas. Da tradição perene, viva, em virtude da presença ininterrupta do Espírito e do contínuo dar ouvidos à Palavra, a Igreja do nosso tempo extrai motivações, argumentos e estímulo para o culto que presta à bem-aventurada Virgem Maria. E a própria Liturgia, que recebe do Magistério aprovação e alento, é expressão altíssima e documento probatório dessa mesma tradição viva.


Deus abençoe você!!! Aleluia, Aleluia, Aleluia!!!
Fundador Gleydson do Blog Verbo Pai 

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